domingo, 15 de junho de 2014

bem-vindo

                                                                                                            pra Juliana Bernardo

enquanto cá, neste bar, o espero chegar...
muitos da areia da praia de dentro ainda avistam a linha reta do mar e todavia acham que ali se finda o mundo, que ali se acaba, que ali há um abismo.

enquanto pisco lento nesta espera...
meninos meninas, sonham suas pipas no ar relando todas as outras pipas no imenso céu que cobre a favela.

enquanto por pouco não caio da cadeira nesta espera...
Carla chove o leite derramado pelo filho que morreu tanta era a pobreza.

enquanto me desmonto de cara e braços na mesa...
Pedro assalta e teme os justiceiros filhos de uma égua.

enquanto durmo e babo...
Micaela e Notório aprendem a ler com muito custo.

enquanto sonho...
Léia taca pedrinhas na janela de sua amada.

enquanto ronco sonho...
Minha gente pula e burla este sistema de catracas, esta muralha diária, esta montanha de grana, este portal de girar capital, de encher o bolso de pilantras.

enquanto profundo fundo sonho...
Francisco diz na altura de seus quarenta e poucos anos que a vida é pouca e estrala os grandes ossos da mão e conclui sorrindo.

enquanto te vejo e beijo e nem sei que é sonho, afinal sonho...
os pais de Micaela e Notório choram, pois agora há quem possa ler as cartas guardadas.

enquanto quando agora desperto e desesperado...
Bernardo e Juliana, num cambio de idéias se deparam com que/com quem eu esperava.

é quando levanto já cansado de tamanha espera, resolvo e doo os pés à areia além bar, pra lá, pra mar...
avisto de olhos acordados vozes satisfeitas, muitos gestos trançados e um incensário expelindo sua fumaça, avisto tudo que a vista abraça e escuto atento, longe, quase longe alguém que conversa a minha espera, a minha tremenda espera, aguardada e lamuriosa espera.
me desfaço e perdido me aproximo tímido e pouso a cabeça pesada no colo deste menino que fala a esta menina que diz a este menino que a poesia e os possíveis poemas estão em tudo e em nós, em ti, em mim e eu por fim me encontro com o tão aguardado: intorpecente palavra.

a poesia está em tudo, Ariosvaldo. diz Juliana e Bernardo


(Ao som de Clube da Esquina, número 2)

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